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As uvas ainda estão verdes

 

Quando em junho aqui cheguei, todos anteviam um bom ano vinícola, melhor que o anterior.

As labutas normais foram decorrendo: sulfatar as vinhas de quinze em quinze dias, mondar, levantar e as uvas para o sol se encarregar de amadurecer os cachos protegidas por paredes basálticas e maroiços, do rossio do mar e dos ventos.

Há umas semanas para cá, quando se previa que a chuva daria uma ajudinha ao amadurecimento, muitos começaram a torcer o nariz. Afinal, a maior parte da uva de cheiro continua verde.

Ainda houve quem programasse vindimas para os fins de agosto, mas a maior parte dos vinhateiros desistiu de o fazer e aguarda o fim do ciclo da uva.

Não há nada a fazer – diz-se por aqui. Se as uvas não estão maduras, o vinho não presta e cedo se transformará em vinagre, e até este, para ser bom, tem de ser feito com bom vinho.

Este é o retrato do que se passa na Ponta leste da Ilha do Pico.

Ao contrário, este é um ano abundante em uva da madeira. Quem a tem, dá graças a Deus, quem a não plantou, lamenta-se e espera que os saibéis (uva que de alto teor alcoólico utilizada para dar cor ao vinho de cheiro) cuja apanha é mais tardia, compensem a má produção de uva de cheiro.

O mais curioso é que os pequenos viticultores que produzem para consumo doméstico não se lamentam do que está a acontecer. Fruto do pragmatismo popular, dizem que, na agricultura, tudo tem o seu tempo certo -  « tarde nem para o céu »- e atribuem as razões ao tempo: às mudanças climáticas, recentemente confirmadas pelos cientistas, e à falta de chuva na altura certa. Importa, pois, esperar... Há quando? A natureza é quem dirá.

Os antigos diziam: »primeiro de agosto, primeiro dia de inverno ». Os dias passavam quentes, com um brumaço insuportável que só o mar contrariava. Agosto é o mês das lavadias – ondas enormes e volumosas varrendo a costa de uma ponta à outra, lavando as rochas altas e afastando  banhistas. Depois, setembro, fim de estação, mês de vindimas e do regresso ao trabalho às aulas.

Quando era criança, ouvia dizer que o Sr. João Lacerda, que no alto da Engrade tinha uma vistosa adega, deixava a Ponta da Ilha antes do início do Outono. E nós que ainda ficávamos, mais umas semanas, temíamos o « ciclone do João Lacerda » pelas chuvas e ventos fortes que fazia.

Hoje, já não é assim. Os tempos estão a mudar, em todas as situações da vida.

As aulas já não abrem a 7 de outubro, como foi regra anos e anos mas, que eu saiba, as escolas têm os mesmos tempos letivos e professores e alunos, são obrigados a cumprir horários, sem que se note o entusiasmo e alegria do reencontro, que nós tinhamos.

O outono vem aí e depois a hora de inverno.

O nascer do sol, nesta ponta leste do Pico, já ocorre por volta das sete e meia. A essa hora, já muitos agricultores, estão na lida dos campos: na ordenha das vacas ou na apanha das uvas, enchendo baldes e barsas para esmagar nos velhos lagares das adegas. Trabalho penoso mas alegre porque misto de entreajuda e solidariedade a vizinhos e amigos.

A brisa suave das manhãs ajuda a azáfama dos vindimantes mas, a meio da manhã, a força do sol queima e nem abeiros, chapéus de palha e bonés sustêm os suores em bica. Água, só a água mata a sede. Ao jantar do meio dia, outras bebidas são servidas para acompanhar pratos de peixe, de carne e outras iguarias...

É assim todos os anos.

Temo que quando a geração dos 50 e 60 anos deixar de andar pelos currais de vinha a podar, a cavar e mondar, a sulfatar, levantar e apanhar as uvas, e a fazer o vinho, a paisagem natural e humana desta ilha mudará, completamente, e nenhuma atenção se dará às heranças dos antepassados.
E é pena pois a identidade de um povo mede-se pela preservação das suas tradições e cultura.

 


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